PRELIMINARES















Durante a graduação em arquitetura e urbanismo, a cada disciplina ou conteúdo novo ministrado, me perguntava que tipo de arquiteta eu gostaria de ser quando crescesse. Eu seria, talvez, a que projeta ambientes, móveis e casas; a que trabalha numa repartição pública licitando ideias e fiscalizando projetos; a que restaura imóveis antigos e milita pelas políticas patrimoniais; a que emberna em ecovilas e experimenta dispositivos de sustentabilidade; ou seria uma arquiteta urbanista dedicada a projetos de reurbanização de aglomerados, engajada na construção de políticas urbanas, atenta aos processos de construção de cidades, requalificando contextos urbanos, edificando planos viários, conjuntos habitacionais, centros administrativos e de apoio ao cidadão, entre outros equipamentos eticamente especulados junto a uma equipe de conhecimento multidisciplinar e disponível aos fóruns de participação popular. Enfim, possibilidades de mercado focadas na satisfação de um freguês ideal, seja ele rico ou pobre, único ou extensivo, que paga a vista ou a crédito.

No meio desse emaranhado de opções, ofertas de cursos de especialização e pressão familiar, eu decidi ser “útil” para uma demanda coletiva. Escolhi me especializar em Urbanismo — queria “entender” para melhor “servir” à sociedade urbana. Uma tarefa um tanto difícil, marcada por palavras generalistas e guiada por “grandes narrativas”, fazendo parecer, aos olhos apressados e de fácil concessão, que toda sociedade urbana pós-industrial estava resolvida nos tratados demonstrados.

Então, para vencer a abstração de tanta generalização socialista, mergulhei num mundo particular a fim de atualizar o existente. De início, criei uma cidade imaginária, um lugar contido em grandes paragens em que o cultural (aquilo produzido pelo homem) relacionava de forma harmônica e justa com o natural (o que já existia). Por ser um ambiente construído pelo sujeito, porém, incluído num todo maior, as decisões seriam tomadas de forma coletiva e participativa; o fazer grupal seria efetivado com respeito à diversidade; as tarefas e funções seriam delegadas sem enrijecer os processos ou burocratiza-los; os ciclos de renovação da vida seriam sustentáveis; os contextos arquitetônicos provocariam “aventuranças”; o normativo seria um dispositivo de negociação; o subalterno seria ouvido e os repasses públicos seriam justos e condizentes à demanda daqueles que escolheram a cidade como lugar para viver – um lugar polifônico e carregado de heterogeneidades, por isso anônimo e singular: a minha “Urbanotopia”.

Nesta “Urbanotopia” o coletivo seria sustentado por meio da preservação da singularidade, os espaços teriam tonalidades próprias e todos teriam voz de negociação. Haveria disponibilidade para os encontros casuais, e esses, seriam sustentados pela gentileza e outras qualidades humanas já que todos sabiam muito bem enxergar a igualdade na diferença. Os processos de subjetivação aconteceriam a todo vapor, levantando questões diferenciadas, colocando-as em debate, construindo soluções, acompanhando a falência de outras e renovando os modos de existência — um partilhamento de vida imbricado em políticas de amizade.

Que belo! Só em sonho mesmo! Depois que acordei e caí na real achei graça do meu ego: tudo funcionando tão direitinho no padrão que eu inventei... Rá! Sonho de arquiteto. Mas, já que o “melhor lugar do mundo é aqui e agora” (Gilberto Gil), como aclimatar minhas expectativas na cidade que existe e me abriga? Eis a minha inquietação, a pergunta que levo comigo e me faz interessar pelos estudos em dança, em performance e, agora, em fazer performances. No exercício da caça por respostas alimento meu desejo de mudar o mundo e aprendo a questionar a ordem, a ser criativa, ser resistência, conciliadora, underground, mass-media e a testemunhar quando não tem jeito de engajar nos processos urbanos. Às vezes, me sinto uma “Macunaíma” na “Urbanotopia” que insisto em praticar na cidade onde vivo, talvez por me sentir guerreira e querer botar propósito nas coisas que faço. Então, vamos nessa?

Vou devagar sobre cinco performances. Todas elas praticadas em espaços específicos de uso público na cidade de Salvador, que em conjunto, para efeitos de escrita, estes logradouros receberam o nome de Soteropolicity. Cada uma com uma questão urbana embutida, disparando dispositivos claros aos sistemas de compreensão ou apenas estetizando sentimentos de quem mora nos espaços da cidade. Segue então as performances: “Jardins da Babilônia”, “Na aba do meu chapéu”, “Playground na Ladeira da Montanha”, “O mar pela greta” e “A saúde é osso” - ações que apresento e desmembro nas próximas páginas.



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