PLAY NA MONTANHA

SE LIGUEM NA PROGRAMAÇÃO!





PLAYGROUND NA LADEIRA DA MONTANHA
a única ordem que vale é brincar!

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A REGRA LEGÍTMA:
em 2009 publicaram o edital Giro das Artes Visuais de Apoio à Circulação de Exposições da Fundação Cultural do Estado da Bahia.

O Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura – SECULT/Fundo de Cultura da Bahia e da Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB, com objetivo de valorizar e difundir as artes visuais no Estado, torna público que de 06 de novembro a 21 de dezembro de 2009 estarão abertas as inscrições para a seleção e a concessão de apoio a projetos de circulação de exposições de artes visuais, nos termos do presente edital e seus anexos e com observância das disposições das Leis Estaduais 9.431/05, 9.433/05 e 9.846/05 e dos Decretos 9.266/04, 9.683/05 e 10.992/08.

a arquiteta: tenho um projeto que atende as condições, posso ser proponente, tenho as respostas do formulário de inscrição, os documentos necessários, uma produtora para resolver a planilha orçamentária, prazo e energia de produção! Tudo bem marcado e no compasso da lei, não tem como sair do tom.


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RASURA:
dia 22 de dezembro, às 9h30min, no correio do shopping.

a produtora: Carol, tudo pronto com a planilha! Planejei os custos junto com o roteiro de execução e calculei o recolhimento dos impostos. Fiquei sem saber como declarar os “ossos” da performance “A saúde é osso” e colei uma rubrica “material para artesanato”.

Poxa… foi super difícil equalizar as despesas e declarar o INSS via pessoa física (só tinha feito esse trabalho em projetos com representação jurídica) e na hora de somar as despesas vi que nada foi reservado para idealizadora das performances.

A impressão da planilha saiu meio torta, ocultou alguns campos, mas como o arquivo digital está salvo no CD que acompanha o formulário, lá eles consertam. E, quanto ao atraso, negociei com a agente do correio e os documentos serão postados hoje mas com o carimbo de ontem. Vá desculpando aí... Vai dar tudo certo! O projeto ficou massa!

a arquiteta: ai meu Deus e minha Nossa Senhora! Consentir a burocracia e andar com fé!


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LEGIBILIDADE:
o respeito à igualdade de direito de cada um independe da regra legítima, tendo em vista o sentimento de justiça ao considerar as causas e intenções

Prezada Sra. Carolina Erika Santos,

Em primeiro lugar parabenizamos-lhe por ter sido selecionada no Edital nº. 14/2009 Giro das Artes Visuais – Apoio à Circulação de Exposições no Estado da Bahia, cujo resultado foi publicado no dia 16 de abril, no Diário Oficial.

Informamos que a abertura do processo de formalização da seleção e a posterior assinatura do instrumento contratual estarão condicionadas à apresentação das informações solicitadas nas diligências abaixo relacionadas, as quais foram indicadas pela Comissão de Seleção.

Chamamos a atenção para o prazo máximo de apresentação dos documentos/respostas às diligências, o qual se encerra às 18h do dia 10/05/2010 e informamos que o não cumprimento das diligências no prazo citado acarretará na sua desclassificação e convocação de um suplente, conforme estipula o item 5.13 do Edital.

A documentação e informações solicitadas nas diligências deverão ser entregues na Diretoria de Artes Visuais da Fundação Cultural do Estado da Bahia, situada à Rua Gregório de Mattos, nº 29, Pelourinho, Salvador, Bahia, de segunda a sexta-feira, das 9 às 12 e das 14 às 18h.

Em etapa posterior à aprovação das suas respostas às diligências, solicitaremos os documentos especificados no item 6.1 do Edital, necessários para a assinatura do Termo de Acordo e Compromisso – TAC.

a arquiteta: foram 43 diligências. Bom… antes elas do que um não de cara. Dessa forma pude reformular os pontos inclusos, as más escolhas e reformular a exceção em regra.


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A REGRA LEGÍTMA:
o registro encarna a prática da escrita como estratégia de controle

IPHAN: encaminhe um ofício endereçado ao superintendente Dr. Carlos Antônio Amorim conforme a Nota Técnica nº2 — IPHAN/BA (aquela que fornece informações quanto a intervenções em bens e conjuntos tombados e em sua vizinhança).
(…)
“Na área protegida, a elegia do Patrimônio Cultural Nacional, o principal, é condicionante para a permissão de intervenções de caráter lúdico ou artístico. Quando essa desejável assimetria é alterada, o acessório deve ser deslocado para fora do perímetro do Patrimônio Cultural Nacional. Dessa forma, deve buscar a si a conveniência do local mais adequado, aonde venha a gozar da condição de principal. O Patrimônio Cultural Nacional é o principal, nada devendo lhe sobrepor o brilho luzidio e indelével, porque é o Patrimônio Nacional”.

a arquiteta: Nossa! O espírito de nação reunido no Hino Nacional me emociona mais!

Prefeitura do Salvador - se faz necessário uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de um responsável credenciado pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) concernente à intervenção Playground na Ladeira da Montanha para liberação do projeto como um todo. 

a arquiteta: sempre soube da necessidade desse documento e o acompanhamento de um técnico no estudo mais aprofundado dos equipamentos a serem instalados na caçamba, mas contava agilizar isso com dinheiro nas mãos. Mas, sem a licença da Prefeitura não tem assinatura do TAC, sem assinatura do TAC não tem dinheiro e nem efetivação do financiamento. Então, tenho que providenciar com os meus próprios recursos — fé em Deus e pé na tábua!


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RASURA:
toda administração pública é feita por escrito e fornece um conhecimento prático da vida. Mas será que existe transparência entre legibilidade e a regra legítima?

a arquiteta: acendi uma vela para a “Santa Providência” e saí empenhada a criar providências e fazer o mundo girar, inclusive a máquina burocrática baiana. Disparei emails, telefonemas, acessei pessoas, conectei outras, para no meio do caminho, optar por ambientes lúdicos instalados na caçamba em vez de inventar brinquedos infantis com caçamba.

Simplifiquei um tanto e ganhei outro tanto, pois assim eu mesma pude assinar o projeto de ambientação, ganhar autonomia e assinar a tão sonhada ART. Essa sacação deu outra oxigenada na tarefa de providenciar coisas: corri ao CREA-MG, descongelei minha matrícula, transferi para Salvador, assinei a ART, despachei para Prefeitura do Salvador e fiquei no aguardo.

IPHAN: “diante do exposto, s.m.j., opinamos pelo deferimento da proposta acima pretendida, desde que sejam seguidas as seguintes recomendações (…)”.

a arquiteta: ótimo! Agora só falta o documento da prefeitura!

Prefeitura do Salvador: “o novo padrão de equipamento também há a necessidade de apresentação do ART firmada por engenheiro cadastrado no CREA. O conteúdo do documento, ou seja, a ART deve seguir as normas da ABNT. Portanto, deve a requerente apresentar ART atual, por as ART's em fls 28 e 29 referido a período de execução para 25 e 26/09/2010, considerando as normas do ABNT indicadas pelo RPGM em fl.34”.

a arquiteta: o quê? Dá pra repetir? Não entendi nada! E você?
Tive que recorrer aos universitários, mas quem resolveu meu o problema foi a técnica da SESP que gentilmente me emprestou o processo para eu verificar a trajetória dos pareceres e botar luz na solicitação.

[tradução da ordem municipal]: se faz necessário uma ART assinada por um engenheiro credenciado pelo CREA/BA que emita um parecer com base nas NBR’s 14350-1:1999 e 14350-2:1999 e nas NBR NM’s 300-1:2004 e 300-2:2004 da ABNT de Segurança de Brinquedos de Playground.

a arquiteta: dá procê?! Enfim… Vamos lá! 1. comprar e estudar a ABNT de Segurança de Brinquedos de Playground; 2. ajustar os detalhes de execução do projeto conforme a ABNT; 3. consultar técnicos; 4. ajustar desenhos; 5. compartilhar a situação com um engenheiro-amigo; 6. expedir a ART pelo CREA/BA; 7. apresentar para Prefeitura do Salvador; 8. retirar o documento de concessão de uso.

A ABNT de Segurança de Brinquedos de Playground virou minha leitura de cabeceira. Estudei com afinco os modos de elaboração de encaixes para estruturas fixas, destinadas ao uso de brincantes, com até 1 metro de altura, sobre caçambas de coleta de entulho. Por esse trabalho, me sentia uma meretriz obediente, legitimando, com cortesia, a regra, que a todo custo, almejava direcionar a prática da vida. Na hora da dúvida ou do impasse, a ABNT sempre tinha razão! E, para tanto, escovei meus cachos rebeldes e aceitei a regra sem propor exceções. Fiz com capricho, desejando o melhor para as crianças da região da Montanha. Deu trabalho e me orgulho do projeto, pena que na prática, tudo foi bem diferente…


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LEGIBILIDADE:
“o discurso representativo do individualismo liberal perde o seu poder de fala e sua política de escolha individual quando confrontado com uma aporia”. (BHABHA, O local da cultura, 1998, p.143). Despotismo ou negociação?

Prefeitura do Salvador [Dra. Milena]: sinto muito. Pedi exoneração do cargo e não posso resolver seu caso. Não sou perita no assunto e a Prefeitura não dispõe de profissionais que possam avaliar a validade dos documentos apresentados.

a arquiteta: Minha Nossa! Como não? Já decorreram 21 meses de espera, todos os documentos foram encaminhados com os respectivos protocolos de validação, já envolvi técnicos da área da engenharia e arquitetura, representantes da Fundação Cultural da Bahia e a vereadora Olívia Santana e ainda falta respaldo técnico? Padecer e morrer na burocracia não!

a negociação: no dia 14 de dezembro de 2011 foi marcada uma reunião extraordinária com lideranças municipais representantes da SESP, Fundação Mário Leal e Transalvador. Reunimo-nos pela manhã, na Fundação Mário Leal e lá apresentei o projeto, esclareci dúvidas e finalmente consegui sair com a autorização e as datas definidas para execução das performances: 08/01/2012 - Playground da Ladeira da Montanha, 15/01/2012 - O Mar pela Greta e 22/01/2012 - A Saúde é Osso. Mas o trabalho não parou por aí. Cada membro presente na mesa tinha que dar um parecer favorável e anexá-lo ao processo, a começar por mim, entregando um ofício às 13h do dia seguinte, retificando o cronograma e ajustando alguns detalhes de apresentação.


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A REGRA LEGÍTMA:
a integridade do registro é a certeza de uma boa administração

a arquiteta: Bom... Corri para atender a nova demanda e parecia que tudo estava resolvido e o que restava era apenas aguardar a impressão final da autorização. Mudei o foco da minha atenção e mandei brasa na produção da performance.  Mas adivinha o que aconteceu?! O documento não ficou pronto a tempo. Rá! E fomos para campo sem a bendita autorização! Dá procê?! Rárárárárá! Tem que rir para não chorar...


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RASURA:
“a voz narrativa articula a demanda narcísica, colonialista, de que se dirija diretamente a ela, que o Outro legitime o Mesmo, reconheça sua prioridade, preencha seus contornos, replete, na verdade repita, suas referências e ainda seu olhar fraturado”. (BHABHA, O local da cultura, 1998, p.146).

Tudo estava legal, aprovado e legitimado. Não fizemos no escuro e tínhamos o aval “de boca” da prefeitura. Tinha comigo uma lista de nomes e contatos, as pessoas já reconheciam a minha voz pelo telefone e me faziam sentir em casa. Quando aconteceu do fiscal aparecer durante a ação era para prestar apoio e oferecer ajuda, em nenhum momento averiguou ou julgou o estado de presença das coisas. De fato, a única coisa que faltou foi o papel timbrado, carimbado e assinado. Mas enfim, com já diz o dito popular: no final tudo dá certo! 


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LEGIBILIDADE:
a única ordem que vale é brincar!

PLAYGROUND NA LADEIRA DA MONTANHA - performance integrante do Projeto Insurgências Urbanas, contemplado pelo edital Giro das Artes Visuais de Apoio à Circulação de Exposições 2009.

A ação visa a instalação temporária de ambientes de brincar em caçambas coletoras de resíduo sólido em vagas de estacionamento público. O planejamento dos ambientes lúdicos — junto à mecânica de funcionamento, as condições de montagem e uso de advertências de controle in locu — foi concebido com base no rigor crítico sinalizado pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) de Segurança de Brinquedos de Playground NBR 14350-1:1999, NBR 14350-2:1999, NBR NM 300-1:2004 e NBR NM 300-2:2004.

2 caçambas de coleta de resíduo sólido
1 escorregador
1 escada horizontal
2 escadas de acesso
1 baú de brinquedos
500 bolinhas de plástico
Espumas de proteção
Facilitadores de práticas circenses
Café da manhã, almoço e lanche de despedida
Acesso permitido a crianças de altura igual ou superior a 1 metro com supervisão dos pais

a arquiteta: conforme o combinado, às 6h00 da manhã de domingo, a empresa Parque Novo estava na Praça Almirante Paula Guimarães, com os equipamentos listados exceto os dispositivos de encaixe entre outros detalhes de preciosismo técnico que foram incansavelmente apresentados, discutidos e analisados com o responsável da empresa. 

o técnico de montagem: nunca fiz algo parecido e vou fazer o possível. Projeto executivo? Não me foi mostrado nenhum projeto de encaixe e adequação dos equipamentos, apenas a lista de coisas para serem trazidas. Veio eu e mais um montador, o proprietário saiu de férias com a família.

o assistente de produção: eles não levaram o projeto a sério…

o vídeo maker: contratar serviço na Bahia é assim mesmo, tenha paciência neguinha.

o fotografo: como separar o joio do trigo? Tá um “armengue” total!

a arquiteta: afff… Não acredito! O documento assusta e afasta o prestador de serviço, fazendo valer o signo expressivo da autopresença da voz como regra de contrato. Já que a fala define a ordem das coisas então vou falar pacientemente, repetidamente, professoralmente, arguindo, requerendo, demarcando, retificando, constatando, ensinando, repetindo, demonstrando, verificando, examinando, esgueirando, liquidando, para no final ele me surpreender com uma iniciativa e conquistar minha confiança de vez! Contrato firmado, acordo traído… Quis sentar na rua e chorar, mas todo mundo aceitou tão bem a situação que ia ficar feio “eu sentar na rua e chorar”.

a amiga de Ma: você é linda! Olha a alegria destas crianças!

circo Picolino: é a primeira vez, não é?! A estrutura só titubeou quando todos quiseram subir de uma vez, mas fora isso, tudo está funcionando.

circo Picolino [Anselmo]: olha a alegria dessas crianças sendo cuidadas e nutridas por tantos adultos!

os sarcizeiros: hoje eu vou comer direto da panela!

as crianças: tiah! Tioh! Tiah! Tioh! Tiah! Tiah! Tiah! Tioh! Tioh! Tiah! Tioh! Tioh! Tioh! Tiah!

a arquiteta: era tanta vontade de brincar! Uma energia louca que deixava todos a mil! Colchonete caindo: eh vamos brincar! Escada mal assentada: eh vamos brincar! Faltou outra escada de acesso: eh vamos brincar! Acabamos de almoçar, barriga cheia: eh vamos brincar! Vamos brincar! Vamos brincar! Vamos brincar! Essa era a única ordem que valia. 


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A REGRA LEGÍTMA:
o que ficou…

a arquiteta: por incrível que pareça, tudo deu certo! As crianças se acabaram de tanto brincar. Não faltou comida, segurança e conforto. Eu fiquei esgotada e satisfeita ao mesmo tempo.

circo Picolino [Anselmo]: “Você conseguiu provocar um momento mágico para aquelas crianças e para aqueles adultos presentes. Cada sorriso, cada olhar, cada suspiro, cada momento vivido pelas crianças, com certeza, ficará marcado na memória deles e da gente que conseguiu olhar e sentir o que aconteceu naquele momento e naquele lugar tão abandonado pelos podres poderes que foi transformado em lugar mágico pela sua intervenção”.

Zmário: “Carol, obrigado pelo lindo dia de domingo na companhia dos eresinhos! Foi massa, muito divertido e as comidinhas deliciosas”!

o segurança: o pessoal da Ladeira da Preguiça não pára de perguntar quando haverá outro. E se houver, se ligue, vai bombar!

o assistente de produção: do jeito que você fez — sem publicidade, selos de financiamento e apoio institucional — fez com que as pessoas desconfiassem da validade da ação. O bom disso foi ter comparecido o suficiente dentro da estrutura oferecida. Não faltou nada, na verdade, servimos a todos com fartura e segurança. Tivemos até “convidados especiais” que puderam sentar a mesa e comer junto!

a arquiteta: realmente foi um dia incrível. Toda minha educação de regras e leis foram questionadas naquele dia. O tempo todo imaginava como seria em Belo Horizonte — a presença tensa do fiscal, a cobrança da empresa, o medo da multa, o medo de dar errado, a atenção sisuda em cada detalhe… Meu Deus! Ainda bem que eu era a única “mineira” daquela praça, pois todos, inclusive a Prefeitura do Salvador, abriu mão da burocracia para viver um dia de festa! Havia uma confiança coletiva de só gerar o bem num lugar público — estado de legibilidade que ultrapassa qualquer regra legítima. Obrigada.














































Informações importantes:

Aconteceu no dia 08/01/2012, às 8h30min.
Duração: 6h00min
Performer: Carol Érika
Assistente de produção: Adalberto Palma
Assistente de cozinha e limpeza: Rita de Cássia, Thamyres e Net
Foto: Aldren Lincoln
Vídeo: Marcondes Dourado
Agradecimento especial: Escola Picolino de Artes do Circo - Anselmo Serrat, Jana Bourscheid Serrat, José Carlos Dias Ferreira, Clovis Hernan Arangui dos Santos e Jaciane Dias Silva. 
Este projeto foi contemplado pelo edital Giro das Artes Visuais de Apoio à Circulação de Exposições 2009

Referências:


BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Tradução Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Ed, UFMG, 1998. 395 p. (Coleção Humanitas).